sexta-feira, 11 de maio de 2012

Neiva Moreira: a morte de um nacionalista

Conheci Neiva Moreira como líder da Frente Parlamentar Nacionalista. Era uma espécie de pilar de uma resistência inabalável. Ele era o baluarte também da Frente Popular cujo líder principal era Leonel Brizola. Nesta Frente convergiam todas as forças populares: A recém criada Confederação Geral dos Trabalhadores, as Ligas Camponesas de Julião, o Comando Geral dos Trabalhadores Agrícolas do PCB, a Frente Parlamentar Nacionalista que liderava Neiva, a União Nacional dos Estudantes (unida por uma frente de esquerda cuja liderança passava já para a Ação Popular), a União dos Estudantes Secundários, os Militares Nacionalistas, o Comando Nacional dos Sargentos, as várias organizações partidárias de esquerda, o PCB, a Ação Popular, o PCdo B, a POLOP, o Movimento Tiradentes. Apesar da curta vida desta Frente e a pouco teorização sobre seu significado histórico, ela foi o gérmen de uma Assembléia Popular naqueles tempos de radicalização popular Nacionalista e Democrática, com fortes tendências socialistas influenciadas pela radicalização da revolução cubana. 

O golpe de Estado de 1964 esmagou num primeiro momento esta Frente e jogou para o exterior grande parte das lideranças que a formavam. Neiva foi primeiro para o Uruguai onde, junto com Leonel Brizola, buscou concentrar a resistência revolucionária ao golpe do grande capital internacional e nacional, assentado sobre as alas mais reacionárias das forças armadas latino americanas e internacionais, sob o comando dos Estados Unidas da América. Neiva tinha contudo uma especial confiança na possibilidade de formarem-se exércitos progressistas que pudessem sustentar regimes populares nacional democráticos, inspirado particularmente no fenômeno do Nasserismo que se insurgia sobretudo no Mundo Árabe. Daí se fortalecem as suas fortes convicções Terceiro Mundista. Na época da Organização Trilateral, isirada sobretudo em Cuba, na época do movimento dos não alinhados que desenvolvia o espírito de Bandung, liderado pela China revolucionaria, pela índia republicana, pela Indonésia em rebelião, pelas revoluções anti coloniais da África, do Oriente Médio, da Ásia insurrecta, que tinha sua expressão mais alta na luta das nações que formavam a Indochina imposta pelos franceses, em seguida derrotados pelas mesmas forças que derrotariam o gigantesco aparato militar dos Estados Unidos. Poucos brasileiros estiveram inspirados tão profundamente por uma poderoso sentimento internacionalista. Sozinho, no meio deste mundo de fortes esquemas de força, Neiva Moreira levantou firmemente a bandeira do Terceiro Mundo, ao criar, desde o Uruguai, a revista Cadernos do Terceiro Mundo. Modesta nos seus começos, a revista foi-se convertendo numa bandeira e num simbolo que abrigava toda uma onda revolucionária mundial que ligavas as lutas culturais do Msio Francês de 1968, a insurreição juvenil dos Estados Unidos, os vários levantes militares progressistas na África e na Ásia, a presença crescente da União Soviética ao lado destes governos, a emergência sempre assustadora da China vermelha. As várias derrotas que sofria movimento popular universal não impediam seu desenvolvimento. As dificuldades da confrontação entre a direita uruguaia convertida ao golpismo fascista levaram no começo da década de 1970 os Cadernos do Terceiro Mundo para o Peru comandado pelo governo revolucionário de Velasco Alvarado. O desgaste do Peru revolucionário, a queda do Chile revolucionário, democrático e socialista levara Neiva, como muitos de nós que sofremos os efeitos desta onda contra revolucionária e terroristas, para o México que abrigava com orgulho os perseguidos de todo o mundo. Para aí se deslocam os Cadernos do Terceiro Mundo e tive a oportunidade de conviver mais intensamente com Neiva Moreira. Eu vi seu esforço heróico para reergue os Cadernos do Terceiro Mundo como uma importante proposta autônoma cuja independencia lhe permitia expressar exatamente as dimensões globais desta luta planetária. A Revolução dos Cravos em Portugal e os regimes pós coloniais na África portuguesa lhe permite criar um edição dos Cadernos do Terceiro Mundo em português , Ao lado da edição em espanhol que encontrava no México uma clientela culta e militante. A aproximação com os “exilados” norte americanos perseguidos pelo marcartismo e a revivida esquerda norte americana permite-lhe criar uma edição em inglês dos Cadernos do Terceiro Mundo. Aí formamos um grupo de brasileiros de primeira linha que ajudou a revista do Neiva, assentada em grande parte na dedicação e competência de sua companheira uruguaia, Beatriz Bissio, a ganhar estes novos ares universais. A presença de Francisco Julião, do Ruy Mauo Marini, da Vania Bambirra e minha, de Betinho e vários outros companheiros não somente brasileiros mas de uma plêiade de intelectuais latino americanos de primeira linha, unidos à colossal intelectualidade mexicana, herdeira da primeira grande revolução do século XX, permitiu à revista alcançar um altíssimo grau de desenvolvimento. Estes anos também abriram caminho para uma rearticulação da esquerda brasileira esmagada na sua tentativa insurrecional contra um regime militar que começava a demonstrar seus limites. A expulsão de Leonel Brizola do Uruguai e sua genial iniciativa de dirigir-se aos Estados Unidos de Jymmy Carter, impedindo assim que se submetesse ao isolamento ao que pretendiam lançá-lo os militares golpistas brasileiros, abriu caminho para que México se convertesse, com a Lisboa pós colonial, num dos principais centros da rearticulação do movimento popular em que nos havíamos encontrado em 1962. A tarefa de reerguer um Partido Popular no Brasil galvanizou as energias revolucionárias de Neiva Moreira. Ele se converteu assim no homem forte da Leonel Brizola. O reencontro com Darcy Ribeiro deu uma nova dimensão à luta pela rearticulação do Trabalhismo. Com a morte de Goulart, a liderança de Brizola se convertia no herdeiro incontestável daquelas forças populares contra os quais se impôs o consenso reacionário da classe dominante brasileira assim como de um amplo setor da nossa classe média. Nos anos 70s, um setor cada vez mais amplo destas classes medias se afastava do regime militar e abria caminho para um grane frente oposicionista. O surgimento de uma classe operária especializada e muito significativa em São Paulo abria o caminho para uma dimensão operária da luta anti-fascista que levava à criação do Partido dos Trabalhadores. A Igreja católica brasileira se via obrigada a um enfrentamento crescente com um regime que entrava em contradição com suas bases e seu trabalho evangelizador. Participante ativa do golpe de 1964, a Igreja buscava num partido novo, sem compromissos com o “populismo” trabalhista, um aliado fundamental, fortalecendo a proposta petista. Esta nova correlação de força permitia o triunfo do espírito pós 1964. Tentava-se cortar o fio da história que Leonel Brizola tanto pensava salvaguardar. Neiva Moreira, como todos nós, viu assim suas grandes esperanças nacionais rirem-se pouco a pouco com as sucessivas derrotas da candidatura de Brizola à presidência. Apesar de que já se enraizara fortemente no Rio de Janeiro ao lado de Brizola e dos governos trabalhistas que se impuseram neste estado Neiva sentiu a necessidade de voltar ao seu estado natal. Aquele Maranhão que se convertera na base política daquele jovem militante da facção conhecida como “bossa nova” da União Democrática Nacional que buscou criar um núcleo de forças mais aberta nos anos de 1960 e terminou convertendo-se num dos baluarte da ditadura, convertendo seu estado numa base orgânica de seu grupo familiar. A volta de Neiva termina na vitória do PDT no Maranhão. Mas era incrível ver como a família oligárquica de Sarney consegue voltar ao poder através de um golpe no “tapetão”, com a ajuda imoral da justiça eleitoral do Maranhão. O governador do PDT e retirado do governo sob uma acusação absurda do uso da compra de votos. Poso imaginar o desgosto de Neiva nessa situação. Seu amigo governador um dos poucos homens honestos da política brasileira - e ele terminam entregando-se ao descanso final. Não convivi com Neiva nesses últimos anos mas posso imaginar sua dor. 

Será que no Brasil haverá um lugar para os Neiva Moreira, nascido na Nova York do Terceiro Mundo, com todo um sistema contra seu desenvolvimento, nada podendo impedir seu agigantamento como homem, jornalista, deputado, exilado ilustre articulador de poderosas forças internacionais e nacionais que atraem as mais poderosas forças reacionárias do planeta, base de sustentação da reorganização política e ideológica De um Brasil fechado ao seu sonho de importante participante da criação do mundo contemporâneo. O Brasil da criação de Brasilia, cidade modelo do mundo moderno, o Brasil da maior festa do mundo, que encntra seu ponto mais alto no desfile das escolar de samba do Rio de Janeiro, espetáculo colossal criador de um fenômeno arquitetônico único: o sambódromo, o Brsil do Maracanâ, estádio de uma das mais fortes forças de energia humana desportiva, o Brasil da bossa nova, do teatro do oprimido, da pedagogia da libertação, e de tantas outras manifestações de força cultural própria que Darcy Ribeiro mostrou ser uma nova civilização. Neiva Moreira é um filho e um protagonista deste Brasil que se ergue como povo num grande projeto de transformação social. Com ocorrer do tempo, em seu Maranhão querido, terá uma tumba de um Prócer amado pelo seu povo, aí se restabelecerão no poder as forças sociais que ele ajudou a conduzir à vitória. Tenho a honra de ter convivido com ele num dos momentos mais exitosos de sua vida. De ser seu amigo e companheiro. De continuar trabalhando pelos mesmos ideais pelos quais ele lutou. De lutar para que seu nome esteja reconhecido na altura de sua contribuição para a nossa história brasileira, latino americana e de todos os povos que lutam por sua emancipação. 

 Theotonio Dos Santos


Neiva Moreira outra bandeira libertária que se vai, aos 94 anos 

Por FC Leite Filho

Às 02:45 horas desta madrugada (10/05/2012) morreu, em São Luis, sua terra natal, Neiva Moreira, um dos gigantes do nacionalismo brasileiro e latino-americano. Jornalista, deputado, ativista internacional, Neiva, que ia completar 95 anos em outubro, destacou-se no plano nacional como uma espécie de lugar-tenente de Leonel Brizola, a partir da defesa do regime constitucional do presidente João Goulart, em 1964. 

Deputado pelo Maranhão, secretário-geral da Frente Parlamentar Nacionalista e repórter super bem informado (a revista O Cruzeiro foi um de seus veículos), Neiva percorreu o país contra o golpe que se avizinhava e levava quase diariamente a Jango as notícias conspirações militares, articuladas na maioria por generais de dentro e fora da caserna. 

Foi cassado, preso e exilado, quando construiu uma militância internacional, sobretudo latina e africana, que ficou imortalizada em alguns de seus livros que popularizaram o nasserismo, o nacionalismo peruano do general Alvarado, precursor do chavismo, e nos seus Cadernos do Terceiro Mundo, inicialmente publicados no México. 

No Uruguai, foi encarregado por Brizola de organizar a resistência, e, juntamente com Eduardo Galeano, revolucionou a imprensa participativa, através dos jornais La Época e La Marcha. A experiência não durou muito tempo, porque, a direita que armava outro golpe, deu-lhe 24 horas para abandonar o país, sob pena de ser assassinato. Na Argentina, que vivia uma suposta primavera com a volta de Perón, em 1973, também trabalhou ativamente, no jornalismo e na militância por uma América Latina soberana. Dali a menos de dois anos, também era “convidado” a retirar-se pela sinistra Tríplica A, do ex-ministro José López Rega. De lá, seguiu depois para a Bolívia e Peru, onde novos golpes eliminariam as frágeis experiências nacionalistas. 

Sem ter para onde ir, Neiva que naquela altura estava casado com a jornalista Beatriz Bissio, então grávida da filha Micaela, partiu com ela para a África, onde também se encontrava seu sonho de autodeterminação, fixando-se inicialmente na Argélia, recém libertada do jugo francês por um regime de cunho nacionalista. Antes tinha ao Egito, onde entrevistou o presidente Gamal Abdel Nasser, o precursor dos movimentos libertários africanos e terceiromundistas, numa reportagem de página para o Jornal do Brasil. Fazia sua base a partir de Argel, para cobrir as guerras libertadoras de Angola, Moçambique e outras colônias europeias. Da África, partiu para o México, um dos poucos países latinos não atingidos pelas ditaduras patrocinadas pelos Estados Unidos. 

A anistia de 1979 e o movimento de recuperação do trabalhismo liderado por Brizola, se articularia com Neiva, chamado para a reunião, em Lisboa, em junho daquele ano, e de onde sairia o PDT, partido que Neiva presidiu e foi seu líder na Câmara dos Deputados, em duas oportunidades. 

Ele se reelegeria deputado, sempre por sua terra, o Maranhão, onde dizia que ia viver até o final de seus dias, como ex-deputado, assessor do governador Jackson Lago e, finalmente, como simples militante do PDT. Sempre vivendo modestamente e ultimamente casado com Vânia Souza, com quem teve uma serena convivência de 10 anos, Neiva vinha desenvolvendo intensa militância, inclusive com viagens ao interior, até o seu internamento no hospital há cerca de um mês, onde veio a falecer.

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