quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Site sobre Ruy Mauro Marini

Parece que não mantivemos a indicação do site de Ruy Mauro Marini publicado no México. Para os que não acessaram ainda a este site enviamos seu endereço em seguida:

http://www.marini-escritos.unam.mx/

publicamos em seguida a minha apresentação de Ruy Mauro Marini após a sua morte:



RUY MAURO MARINI:


UM PENSADOR LATINOAMERICANO

Theotonio dos Santos


O pensamento social latinoamericano alcançou, particularmente nas quatros últimas décadas, um alto reconhecimento internacional e influiu profundamente na metodologia e na temática das Ciências Sociais contemporâneas. Mais ainda,: alguns destes pensadores, independente de sua origem disciplinar (economistas, sociólogos, cientistas políticos, historiadores ou antropólogos), representam referências fundamentais nas lutas sociais de nosso tempo.
Entre todos, Ruy Mauro Marini ocupa uma posição privilegiada. Sua obra teórica é profunda e clara e antecipou grande parte dos campos de pesquisa e debate das Ciências Sociais contemporâneas. Ainda muito jovem, Ruy Mauro levantou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) que fundamos um conjunto de militantes brasileiros de várias origens em 1961, a polêmica sobre as tendências bonapartistas na política brasileira e identificou a relação entre o populismo e as tendências autoritárias em que deveria desembocar o Estado Brasileiro (1).
Dentro da tradição analítica da POLOP, da qual foi um dos principais fundadores, já colocava também a inevitável capitulação da classe dominante brasileira, diante das tarefas democráticas e nacionalistas que poderiam viabilizar um desnvolvimento nacional autônomo do pais. Sua contribuição se tornou mais original quando, após o golpe de Estado de 1964, definiu a importância deste para a formação do capital financeiro e sua eminente hegemonia sobre a economia brasileira (2). Nesta época forjou o conceito de subimperialismo. Através dele, mostrava que o nascente capital financeiro brasileiro, surgido no bojo de uma forte dependência do capital internacional, teria de enfrentar a contradição entre sua tendência expansionista - na busca de novos mercados para seus investimentos e seus produtos - e sua condição subordinada e dependente do capital internacional (3).
Em 1967, o conceito de subimperialismo, aliado à concepção da nova divisão internacional do trabalho em formação, já apontava para o surgimento dos Novos Países Industriais (os NICs) entre os quais vieram a destacar-se posteriormente os tigres asiáticos. Há pouco, James O’Connor me escrevia numa carta, com certo humor, que o conceito de semi-periferia de Immanuel Wallerstein correspondia de fato àquilo “que nós chamávamos subimperialismo”. Esta é uma das marcas de Ruy Mauro Marini no pensamento social contemporâneo (4).
Mas sua contribuição alcançou um nível ainda mais alto com o livro A Dialética da Dependência (5). Nele, o cientista social assume com rigor a tarefa de explicar as relações econômicas desiguais entre os produtores apoiados na alta tecnologia e as economias especializadas em atividades secundárias. Ele vai encontrar na superexploração do trabalho o fundamento das relações desiguais na economia mundial. Posteriormente, ao dirigir um Centro de Pesquisas sobre o Movimento Operário, no México, aprofundou estas análises com especial ênfase na reestruturação da indústria automobilística mundial e particularmente latinoamericana (“Análisis de los mecanismos de protección al salario en la esfera de la producción”, Secretaria do Trabalho, México).
Nos últimos anos de vida, Ruy Mauro lançou fortes luzes sobre a reestruturação da economia internacional e a inserção da América Latina (Democracia e Integração na América Latina, Ed., São Paulo) na mesma (aprofundando o enfoque iniciado na segunda metade dos anos 60) e realizou um levantamento amplo e profundo do pensamento social latinoamericano dos anos de 1920 aos nossos dias (6). Sua morte veio colhê-lo na fase final da preparação de uma Antologia do Pensamento Social Latino americano do século XX que organizava para a UNESCO com a minha colaboração.
Nestas tarefas e nestas andanças, nas quais estivemos tantas vezes juntos a ponto de sermos identificados (ele, Vânia Bambirra e eu) como uma corrente da chamada “Teoria da Dependência”, Ruy Mauro Marini formou uma plêiade de discípulos magníficos que se pode ver nos quatro volumes que publicou sobre o pensamento social latino-americano pela Editora Caballito de México. Sua obra terá necessariamente continuidade e se aprofundará sua influência depois de sua morte, como é atestado no presente livro
.
É lamentável que sua volta do exílio tenha sido precedida pela crítica de Fernando Henrique Cardoso e José Serra num artigo infeliz dedicado à crítica de sua Dialética Dependência. Àqueles que identificaram, como RMM, Vânia Bambirra, André Gunder Frank e eu, já em 1964, a dinâmica do capitalismo mundial e brasileiro (mostrando sua entrada numa nova fase caracterizada pela hegemonia crescente do capital financeiro, que encerrava tendências expansionistas e levava a um papel crescente do Estado junto ao capital privado nacional e internacional) se procurou desqualificar como “estancacionistas”. Ruy Mauro Marini foi o oposto disto e, antes que Fernando Henrique Cardoso (ou qualquer um de nós) foi o primeiro a identificar o caráter dinâmico do capitalismo dependente. Só que este dinamismo não era visto no sentido do equilíbrio macro econômico, das liberdades públicas e do bem estar social como nos querem impingir hoje em dia Fernando Henrique e outros.

Sua resposta àquele artigo, só divulgada no Brasil muito recentemente, tem plena vigência (7). Não podíamos esperar do triunfo circunstancial dos autores daquelas críticas mal intencionadas um Brasil melhor, mais democrático e mais justo. Pelo contrário: o que vimos são as densas nuvens de um enorme desequilíbrio cambial e fiscal, de uma crescente ação do Estado a favor do grande capital financeiro nacional e sobre tudo internacional, de uma crescente superexploração da mão de obra assalariada (8) e os evidentes sinais de um autoritarismo tecnocrático evidenciado na sucessão de “Medidas Provisórias” que prescindem do parlamento. Infelizmente, a recente derrota eleitoral desta corrente no plano nacional não deu origem ainda a uma mudança radical desta situação sócio-econômica.

A morte de Ruy Mauro Marini deu-se no bojo desta nova fase da luta de nosso povo. Ele que foi militante clandestino, prisioneiro torturado do CENIMAR, exilado em tantas terras, militante latino americano e internacional da luta revolucionária de nossos povos, por sua intransigência revolucionária, só podia ser uma incômoda presença no nosso país. Nele a maior parte da intelectualidade colocou-se a serviço do “establishment” oligárquico e entreguista, tornando-se os arautos disfarçados da pior distribuição de renda do planeta, dos assassinos de índios, crianças de rua e sem terras, além de se converterem nos campeões do analfabetismo e da evasão escolar, da maior taxa de acidentes do trabalho de todo o mundo, etc., etc.

Si queriam intelectuais para ajudar a enfeitar este quadro miserável com um palavreado pretensamente científico não podiam definitivamente contar com Ruy Mauro Marini.






NOTAS


(1) Refletindo os debates internos da POLOP, Ruy Mauro já havia proposto um exame do bonapartismo como categoria para compreender o caráter do governo Goulart. Seu artigo de 1965 em Foro Internacional refletia este enfoque “Contradicciones y conflictos en el Brasil contemporâneo”, Foro Internacional (México), abril-junho 1965.

(2) “Brazilian Interdependence and Imperialist Integration”, Monthly Review (N. York), dezembro de 1965; “La interdependencia brasileña y la integracion imperialista”, Monthly Review en Castellano (Buenos Aires), 1966.

(3) O artigo de 1966 já anunciava este conceito que foi retomado e reelaborado no seu artigo de 1972 sobre o subimperialismo, também publicado na Monthly Review. Eu debatí com Ruy Mauro sobre a viabilidade do subimperialismo brasileiro pondo ênfase nas suas contradições internas. Contudo, sempre concordei que a tendência ao subimperialismo seria uma constante na evolução do Brasil apesar de seu caráter contraditório.

(4) Estas teses encontraram forma mais elaborada nos livros: Subdesarrollo y Revolución, Siglo XXI, México, 1985, 12º edição (1º edição 1969) e Il subimperialismo brasiliano, Einaldi, Turim, 1974.

(5) Ver (1973), várias edições.

(6) Ruy Mauro dirigiu um amplo seminário no Centro de Estudos Latinoamericanos de la UNAM (CELA) sobre o pensamento social latinoamericano que deu origem a uma coleção de 4 livros de análise sobre o tema, publicada pela Editorial Caballito, no México, e 3 volumes de Antologia de pensadores da região publicados pela Editora da UNAM.

(7) A sua resposta polêmica a Fernando Henrique Cardoso não foi publicada no Brasil e sim em espanhol: “Las Razones del Neo-desarrollismo, respuesta a F.H. Cardoso y J. Serra”, Revista Mexicana de Sociología, México, Número especial, 1978 (este mesmo número publica o antigo de Cardoso). Sobre a polêmica com Cardoso, veja-se meu artigo: “Os Fundamentos Teóricos do Governo Fernando Henrique Cardoso”, Ciências & Letras, Porto Alegre, Agosto de 1996, Nº 17, pp. 121 a 142, também publicado na revisa Política e Administração da FESP-R.j., 1965. Uma tradução ao português do artigo de Ruy Mauro Marini só foi publicada na antologia de textos editada por Emir Sader pela editora Vozes sob o título de Teoria da Dependência.

(8) A imprtância destas análises no plano internacional pode-se ver na divulgação ampla dos artigos citados: “Brazilian Sub-Imperalism”, Monthly Review (N. York), janeiro 1972; “Subimperialismo del Brasil”, Monthly Review (Buenos Aires), 1-2, maio 1973. “Subdesarrollo y revolución en América Latina”, Tricontinental (Havana, com edições também em francês e inglês), 1968; Monthly Review - Selecciones en Castellano (Santiago, Ch.), setembro 1969.





Bibliografia:



A - Principais Livros de Ruy Mauro Marini:



Subdesarrollo y revolución, Siglo XXI, México, 1985, 12º edição (1º edição, 1969).

Sous-développement et révolution en Amérique latine, Maspero, Paris, 1972.

Il subimperialismo brasiliano, Einaldi, Turim, 1974.

Subdesenvolvimento e revolução, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1975.

Dialéctica de la dependencia, ERA, México, 1990, 10º edição (1º edição, 1973); Dialectique de la dépendance, em Critiques de l’économie politique, Maspero, Paris, 1973; Dialektik der Abhangigkeit, em Diezer Senghaas (ed.), Peripherer Kapitalismus. Analysen uber Abhangigkeit und Unterentwicklung, Suhrkamp Verlag, Francfort, 1974; Dialéctica da dependencia, Centelha, Coimbra (Port.) 1976; Dialectica della dipendenza, em Franco Angeli, Milão, 1979.

El reformismo y la contrarrevolución. Estudios sobre Chile, ERA, México, 1976.

Análisis de los mecanismos de protección al salario en la esfera de la producción, Secretaria do Trabalho, México, 1983.

Democracia e Integração na América Latina, Ed., São Paulo, 1990.



B - Principais Artigos:


“Brazilian Sub-Imperialism”, Monthly Review (N.York), janeiro 1972; “Subimperialismo del Brasil”, Monthly Review (Buenos Aires), 1-2, Maio 1973.

“Subdesarrollo y revolución en América Latina”, Tricontinental (Havana, com edições também em francês e inglês), 1968; Monthly Review - Selecciones en Castellano (Santiago, Ch.), setembro 1969.

“La dialéctica del desarrollo capitalista en Brasil”, Cuadernos Americanos (México), XXV-5, junho de 1966.

“Brazilian Interdependence and Imperialist Integration”, Monthly Review (N.York), dezembro 1965; “La interdependencia brasileña y la integracion imperialista”, Monthly Review en Castellano (Buenos Aires), 1966.

“Contradicciones y conflictos en el Brasil contemporaneo”, Foro Internacional (México), abril-junho 1965.

“Las Razones del Neo-desarrollismo, respuesta a F.H. Cardoso y I. Serra”, Revista Mexicana de Sociología, México, Número especial, 1978 (este mesmo número publica o artigo de Cardoso).


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